A partir de Quarta-feira de Cinzas, a Igreja vai nos ajudar a fazermos um
caminho místico na vivência do tempo litúrgico da Quaresma. Trata-se de um tempo
muito especial e propício para trabalharmos, com mais intensidade, contra todas as
situações de pecado que tendem entranhar em nossas vidas, nos desviando do
caminho desejado por Deus e concretizado de maneira especial na pessoa do seu filho
Jesus. É um tempo de reflexão que deve nos levar ao entendimento de que não estamos
sozinhos, neste mundo, mas caminhamos juntos e, cada um têm o seu valor.
Neste tempo de Quaresma a Igreja nos convida a rever algumas práticas, dentre
elas: a nossa vida de oração, a nossa capacidade de superação dos nossos desejos
através da prática fervorosa do jejum, da penitência e da esmola que podemos traduzir,
com tranquilidade, para a virtude da caridade, que é o olhar para o irmão.
Ao receber as cinzas, nós sinalizamos que estamos abertos a compreender a
fugacidade da vida, que só tem sentido no seu Criador. A Quaresma se torna para nós
um caminho espiritual de preparação para a Páscoa, pois no final deste tempo renovador
brilhará para nós a luz da vitória, na ressurreição de Jesus, o filho de Deus.
Quaresma não é uma atitude individualista, ou intimista, mas é uma atitude
comunitária. Quem entendeu muito bem esta realidade foi dom Eugênio Sales que no
ano de 1962, na Arquidiocese de Natal (RN), deu início à Campanha da Fraternidade,
no território em que ele pastoreava. Mas foi no ano de 1964 que Dom Hélder Câmara
com a aprovação dos Bispos, a implantou em nível nacional. Iniciou-se um caminho
gerando um ambiente quaresmal que pudesse alcançar o coração de todos os cristãos
levando-os ao coração do Evangelho.
Há uma tendência muito grande em todos nós de nos fecharmos. Esse
fechamento tem sinais desde o princípio nos conflitos elucidados pelas Sagradas
Escrituras, mas não é este o desejo de Deus, pois ele deseja uma humanidade aberta em
que todos possam se amar.
Cada ser humano que está neste mundo tem o seu valor. Numa sociedade em
que tudo se torna descartável, é dolorido perceber que muitas pessoas são descartadas
por qualquer motivo. Qual é o valor do ser humano para Deus e para nós? Para Deus o
ser humano tem o valor de filho, por isso é herdeiro e habitado pelo seu imenso amor, a
ponto mesmo de ser salvo pelo derramamento do sangue do seu Filho Jesus. Para nós,
perdidos nas pequenas experiências de nossas vidas, corremos o risco de nos fecharmos
valorizando apenas a nós mesmos.
Por isso, neste ano de 2024, a Igreja que já vem ha 60 anos, celebrando a
Campanha da Fraternidade, traz o tema da Fraternidade e Amizade Social iluminado
pelo lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Cf. Mt 23,8).
É um tema profundamente necessário e importante para ser trabalhado e
vivenciado não só na Quaresma, mas ao longo do ano. Esta campanha mantém uma
abertura para o infinito, onde todos são chamados a viverem numa comunhão profunda
entre si e com a Trindade Santa.
Entremos, com amor no tempo quaresmal procurando o vivenciar na prática
do jejum, da esmola, da oração e da amizade social, pois quando se refere a amizade
social se refere de maneira especial ao amor desejoso de abraçar a todos, comunicar, ir
além das fronteiras, romper os isolamentos, viver a vocação para formar uma
comunidade feita de irmãos, alargar o coração e o círculo das amizades fazendo com
que o amor esteja presente em todas as relações sociais.
O ponto de partida para vivência deste tema dentro da Campanha da
Fraternidade e da Quaresma é: O quanto vale um ser humano? Para Deus ele tem um
valor infinito e, para nós?
Na vivência deste tema vamos descobrir a beleza de sermos criados por Deus,
o quanto ele nos ama e onde a criação está ferida e precisa ser curada. A Quaresma e a
Campanha da Fraternidade nos levem a vivermos uma experiência profunda de amor,
compromisso, justiça e paz.
Dom Messias dos Reis Silveira
Bispo diocesano de Teófilo Otoni